quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Carnavais fora de época tornam-se um dos mais lucrativos negócios no Brasil

Além do horizonte, é possível ver um caminhão se aproximando. À sua frente, mais de 10 mil pessoas o esperam ansiosamente. O veículo é um dos principais responsáveis por garantir a alegria e a festa da multidão ao longo das três próximas noites. Não é um automóvel qualquer. Trata-se de um trio elétrico, levando a bordo os dois maiores nomes do carnaval baiano: a cantora Ivete Sangalo e a banda Chiclete com Banana.
Na cidade de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, a micareta reuniu foliões do Brasil todo. Graças a uma parceria firmada entre os organizadores do evento e um site de compras coletivas, foram vendidos abadás (uniforme que funciona como ingresso) em mais de 50 cidades, como Belém (PA), Recife (PE), Pelotas (RS), Fortaleza (CE), Maceió (AL), São Luís (MA), Curitiba (PR), Vitória (ES) e Campinas (SP). A diversidade da festa se traduz em hotéis, restaurante e bares lotados — para a alegria dos comerciantes locais.
Aos olhos do folião, a micareta é apenas diversão e festa. Mas para que a animação seja garantida, centenas de profissionais atuam antes, durante e depois do evento. São milhares de empregos diretos e indiretos gerados em função da folia, que vão desde seguranças até assessores de imprensa.
Elaine Madalhano é responsável por gerir a imagem do evento há 11 anos. Em função da micareta, é realizada uma reunião por semana entre os produtores, assessores de imprensa, profissionais de marketing, responsáveis pela divulgação externa, e administradores. “Fora isso, nos falamos diariamente por telefone, e-mail eMessenger”, observa. A jornalista estima que, antes do evento, a equipe de comunicação realiza cerca de 20 ligações diárias. “Nos três dias que antecedem o evento, essa média dobra. Enquanto a festa acontece, recebemos mais ligações do que realizamos”, calcula. “Os telefones realmente não param”.
Marcela Bordon, 26, é âncora da primeira edição do Tem Notícias, da TV Tem de Rio Preto. Formada há cinco anos, a jornalista observa que os profissionais da comunicação também têm o direito de se divertir, assim como qualquer outro folião. Entretanto, Marcela ressalta que por trabalhar com sua imagem, necessita de um pouco mais de cuidado ao longo do evento. “Com bastante equilíbrio e cautela, é possível aproveitar uma festa bonita como esta”, enfatiza.

Personagens da folia

Entre os “anjos da guarda” da festa, está Ana Luiza Poloni, 24 anos. Ela é uma das enfermeiras do ambulatório da micareta, onde são oferecidos cuidados de emergência, como curativos em casos de escoriações e cortes. Ana acredita que brigas e álcool ainda são os principais vilões da enfermaria. “A cada ano o pessoal abusa mais. Sem contar que atendemos jovens cada vez mais novos bebendo e usando drogas, como lança-perfumes”. Por noite, as enfermeiras atendem cerca de 50 pessoas. “Fazemos um trabalho de orientação e cuidados rápidos, senão o ambulatório não suporta todos que nos procuram”, pondera.
Valdemir da Silva, 43, tem a micareta como fonte da sua renda há 15 anos. Ele é vendedor ambulante contratado para atender o público do setor não open bar do evento. Valdemir e seus colegas representam o trabalho braçal de um lucrativo negócio. O dono do evento “vende” o espaço para um distribuidor de bebidas, que contrata os ambulantes ao preço de 50 centavos por lata vendida. O vendedor, no entanto, observa que o negócio também é interessante para ele. “Consigo cerca de 2 mil reais por mês em eventos no noroeste paulista. Fora daqui, conseguiria no máximo a metade deste valor”, ressalta. “Sustento minha família tranquilamente com esse lucro”.
Para manter a organização de um evento como a micareta, além dos policiais e bombeiros, há também outro tipo de profissional responsável pela segurança: o cordeiro. Eduardo dos Santos, 30, é chefe da equipe que separa o trio elétrico dos foliões. “Já presenciei casos em que foliões alcoolizados tropeçaram na frente do caminhão. Sem o nosso trabalho, o número de acidentes seria muito maior”, afirma.
Quando Ivete Sangalo chega escoltada pela Polícia Militar ao Recinto de Exposições, na noite de domingo, Patrícia Cristina, 27, além de segurar a corda do trio, tem que segurar a emoção. Fã da cantora baiana desde a época da Banda Eva, a cordeira nunca conseguiu chegar perto de seu ídolo. Para o evento em Rio Preto, Patrícia comprou um colar de presente para a artista. “Meu coração está saindo pela boca. Eu vou conseguir entregar meu presente para ela”, afirma. O trio começa a andar e a cordeira tem que assumir a postura de profissional. O lado fã fica apenas na imaginação, enquanto sonha se a lembrança chegará, algum dia, nas mãos de Ivete.

Palco Andante

Tão importante quanto os artistas, o trio elétrico possui uma agenda e um produtor responsável pela logística de suas apresentações. Determinar onde, quando e por quanto o gigante da folia se apresentará é umas das funções de André Oliveira, de 30 anos. Apesar de formado em psicologia pela Unesp de Bauru, o produtor não conseguiu deixar de lado sua paixão pelo show business. Após trabalhar nos bastidores de apresentações de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Paralamas do Sucesso, há um ano e meio André se rendeu ao rentável universo do axé music. “Para acontecer toda a festa, há uma equipe focada em todos os detalhes. Por trás de todo grande artista, há uma equipe maior ainda”, ressalta.
O Demolidor 3 — trio elétrico feito para Ivete Sangalo há dois anos e meio — é o palco móvel utilizado nos três dias da micareta riopretense. Os números deste caminhão com estrutura de alumínio são grandiosos: são 800 litros diários de diesel, 3 geradores de energia, 300 auto-falantes, 128 drivers e mais de 340 mil watts de potência para manter os 130 metros quadrados de palco. O trio possui aberturas nas laterais, na frente e na traseira, de onde saem caixas de som.
O Demolidor 3 tem quatro banheiros (sendo um com chuveiro) e reservatório com dois mil litros de água. A bordo do seu caminhão de luxo, Ivete conta com TVs de LCD de última geração, home theater, 198 canais de TV a cabo via satélite, internet sem fio, ar condicionado, adega climatizada para vinho, geladeira, arara para figurino artístico e luz de cromoterapia. O custo total do mais moderno e luxuoso trio elétrico do carnaval: 2,5 milhões de reais.
Antero Felipe Nunes, 61, é motorista de trios há oito anos. O paulista com tranquilidade de baiano observa que paciência é fundamental na sua atividade. “É necessário olhar para todos os lados o tempo todo, além de ter uma sintonia com o artista”. Para se proteger do barulho, vidros da cabine fechados e protetores de ouvido. Antero não dirige o trio somente dentro dos circuitos fechados das micaretas. Ele é responsável por conduzi-lo nas rodovias entre as cidades onde é utilizado, à velocidade máxima de 60 km/h. “Para quem está acostumado com o Carnaval de Salvador, o resto é tranquilo”, afirma.

Cláudia de Araújo, 38, é camareira de trio há seis anos. Em todas as cidades onde o palco andante se apresenta, ela está trabalhando. “Já estou até acostumada com a loucura dos fãs querendo subir aqui para conhecer os artistas”. Assim como Cláudia, José Aparecido Santos, 51, já conheceu o país inteiro graças ao sucesso da música baiana. Ele é responsável pela limpeza e organização do trio. “Perdi as contas dos lugares que conheço. Já rodei o Brasil todo a trabalho”, brinca.

Rainha da Folia

Nos três dias da micareta riopretense, atrações como o badalado DJ Gui Boratto e bandas de axé como “A Zorra” e “Chiclete com Banana” movimentaram o recinto de exposições da cidade. A noite mais esperada, no entanto, foi a de Ivete. Poucos artistas brasileiros conseguem se comunicar com os mais variados públicos como a cantora baiana. Mas ela prefere não ser considerada uma unanimidade. Ivete sabe do seu poder de comunicação e brinca com as massas. No palco ou no trio, reina e mostra porque pode ser considerada a maior artista brasileira dos últimos tempos. Ao longo dos seus 18 anos de carreira profissional, a cantora dribla a crise no mercado fonográfico, é estrela no mercado publicitário e possui o cachê mais caro do show business brasileiro.
Para que Ivete se apresente em uma cidade como São José do Rio Preto, por exemplo, são necessários meses de antecedência de negociação. Cerca de 200 pessoas dependem, direta e indiretamente, do seu nome. Talvez esta seja uma motivação a mais para que a cantora — intitulada de furacão baiano — não pare. E Ivete não para.
Uma noite antes de se apresentar na micareta paulista, a baiana cantou no interior de Tocantins, no norte do país. Para que tudo esteja pronto na hora de subir no trio, a equipe que a acompanha trabalha intensamente. Marcos Becatini, 51, é um dos profissionais fundamentais nos shows de Ivete. Ratinho, como é conhecido na equipe, trabalha como produtor técnico da cantora há 13 anos. Sua tarefa não é pequena: ele é responsável, por exemplo, pela luz, pelo som e pelos geradores. “Não gostamos de imprevistos na hora do show. Viajo com um dia de antecedência para conferir se está tudo do jeito como solicitamos”, enfatiza.
Para acompanhar Ivete em todos os shows do final de semana, Ratinho saiu de Tocantins às 4 horas da madrugada de sábado para domingo, viajou de ônibus até Goiânia, onde pegou um voo fretado, desceu em São Paulo, onde entrou em outro avião com destino em São José do Rio Preto. Às 16h30, já estava no local do show de domingo. “Todo mundo tem curiosidade por este ramo, mas é necessário preparo para se adequar a esta rotina. A vantagem é que é muito fácil trabalhar com Ivete, sempre muito atenciosa com todos”, reforça.
Desde que seu filho Marcelo nasceu, em outubro de 2009, Ivete mudou sua rotina e estabeleceu uma nova premissa em sua vida: não dorme fora de casa. Ao término de cada show, independentemente da cidade onde se apresenta, pega seu jatinho particular e volta para Salvador (BA). Apesar de ser a maior popstar brasileira, a cantora afirma reconhecer e respeitar o valor dos que também não gostam do seu trabalho. “Críticas são críticas, desrespeito é outra coisa. O respeito que eu tenho pela opinião alheia eu jamais vou perder, e acho que o contrário é verdadeiro”, enfatiza. “E eu acredito que, se foi dado a você o poder da crítica, não necessariamente você precisa gostar de mim. Por isso aceito sempre as críticas, desde que estejam aliadas à postura do respeito, que é a que eu aplico no meu trabalho”.
Ivete mantém os pés no chão, uma postura discreta fora dos palcos. A cantora, que nunca foi protagonista de polêmicas na mídia, possui um relacionamento de proximidade com jornalistas epaparazzis. “A minha relação com a imprensa brasileira é de respeito. Nosso trabalho é feito baseado nesta troca: o meu trabalho, vocês ajudam a divulgar, e o jornalista também precisa da notícia para trabalhar”, afirma. “Cabe a cada um saber da sua responsabilidade em relação à notícia”.
Ao final do show de pouco mais de duas horas, Ivete sai do trio e, rapidamente, entra na van. No trajeto de menos de um metro, são mais acenos, sorrisos e fotos. De lá, parte para o aeroporto, com destino a Salvador. E assim termina mais uma noite de trabalho para a cantora.
Para os foliões, a festa continua até a segunda-feira nascer. Quem tiver pique, que acompanhe a força da festividade baiana importada para o todo o país.

Texto: Lucas Gandia / Fotos: Odelmo Serrano
Fonte: Bozolinos da Ivete

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